
quinta-feira, agosto 09, 2012
sereno

sábado, agosto 04, 2012
a menina que semeava papoulas

suas mãos passeavam dentro do saco se papel
cheio de sementes negras que mais pareciam
bolinhas miúdas ou pequenos ovos de inseto
e elas esvaiam-se entre os dedos feito tempo
jogava ao solo aqueles pontinhos pretos
como se fossem pontos finais
esperando milhões e milhões
de minúsculos recomeços
e sob visões de pupilas dilatadas
aquela criatura caminhava em campo aberto
o vento arrastava suas saias e ela se divertia
como uma besta fera sorria estridente
seus pés avermelhados pela terra
afundavam no morno que o sol deixava
e a vida dentro da própria vida era surreal
as sementes eram bombas sobre o chão arado
as mãos devotadas ao prazer despretensioso
do toque daquelas minúsculas cápsulas
refaziam incessantes os movimentos
de captura e liberdade suprema
mal sabiam da colheita.
quarta-feira, julho 04, 2012
despiu-se de suas saias negras

por esquecer do que trazia
debaixo delas
rodou em seu terreiro
colocou fogo no mundo
vencidos
os olhos fitavam-se
esboçou um sorriso
fitou suas unhas carmim
pele alva
quase transparente
não queria saídas
queria desenrolar fitas
e ali, despida
morna, sem orgulhos breves
urinou-se, banhou-se,
sufocou-se
na tentativa de abrandar os braseiros
e passeou entre
a melancolia e a felicidade
teve vontade de gargalhar
mas não há mais o que escarrar
vestiu seu vestido de chita
e pôs-se a dançar.
segunda-feira, junho 04, 2012
a folha

vê como é livre a folha
que vai e vem
sem se prender
sem temer a voar
é a música do perder
e vai e desaparece
rodopia e reaparece
como uma contradança
entra em parafuso
e some e se vê
sabe bem dos sussurros
que o ar dá ao lhe levar
e a tola roda, roda
olhe a folha cansada
que se entrega a sorrir
sem se preocupar
com o que é
oh, pobre folha
que se atreve a voar
com a força do vento
e se contamina com
essa onda quente do vento
e está tão entregue
que já nem é
sexta-feira, maio 04, 2012
Que venha o homem

Com suas pernas finas
Como se soubesse o que é ser
Que venha também
A mulher
Como se soubesse o que quer
Que venham todos os bichos
Em roupinhas de algodão
Seus brinquedos
Seu torrão
Com suas lanças pontudas
E dentes cariados
Venham os banguelas
Que nem servem para mascar
Com suas vidinhas toscas
Suas jóias foscas
Seus dizeres de poder,
Santa ignorância.
Como ter o que não conhece?
Por que acreditar no que não vê?
Dançam em torno de sua fogueira
Fazem sua guerra
Lavram sua terra
E perpetuam sua prole
Não têm mais o que fazer.
quarta-feira, abril 04, 2012
Veio
domingo, março 04, 2012
Seus ouvidos polidos

Não querem meus adjetivos chulos
Suportam apenas as belezas bucólicas
Já eu tenho náuseas,
Cólicas insanas,
Palavras vis e profanas
Que revelam a escanção humana,
A deterioração mundana
Que arrasam minha essência,
Desconheço o amor
Por jamais tê-lo ganho
Conheço a falta dele,
A realidade escalpelante
Que rasga e fere
O que ainda me resta,
E só tenho minha retórica
Não quero sua opinião.
Poema para Ana Cristina César

Minha gordura ferve
A garganta supita
Não tenho mais dor.
Meus pulsos tangem
Vertendo o suco
Que ainda posso ter
Estou fora de mim.
Meu corpo cai
duma janela
sétimo andar
sem nada explicar.
Quero ser um poema
E flutuar em seu colo
Viver para quê?
Padecer como ela
Fio da navalha
Numa língua de trapo
Tantas lembranças
Tantas vertigens.
Acalanto em mim
Um segredo infinito
Rabiscado nos papéis de cheiro
Que um dia minha mão tocou.
E perfumadas ainda,
Elas se vão
Vãs, inertes
Pousadas em meu desespero.
quarta-feira, janeiro 04, 2012
quinta-feira, dezembro 15, 2011
de seda

quem dera tivesse acabado ali
quem dera tivesse acabado
hoje, caminho só pela vida
e os olhos todos me pedem
em vão e seguem destruindo
asfaltando estradas em sonhos
trincheirando suas
entradas sobre mim
sem lirismos nos passos
corro até onde o cansaço do céu
encontrar o voo do abismo
compartilho lembranças ruins
com aqueles que roubaram
meu vestido mais-que-perfeito
e devassaram entranhas do porvir
mal sabem que não tenho motivos
mas trago um sorriso secreto
entre meus seios
que não se olham
que não dizem nada
nada além que o antepasto
do meu desespero
deveria ter acabado ali.